Escrevi um texto e achei que estava meio blé. Arrisquei. Vou deixá-lo assim mesmo. Depois, comecei outro. Fiz anotações, como sempre, busquei referências, fiz o esqueleto.
Saí de casa para cumprir tarefas com a cabeça fervilhando de ideias, o texto ia ficar f*da. Voltei para casa. Voltei para o texto. Li as anotações. Fiz o rascunho. Comecei de novo. E ele continua meio blé.
Estava tão perfeito na minha cabeça! Agora estou aqui tentando não me sentir um fracasso de novo e dar um jeito nele.
Outro dia, a médica me perguntou qual era a minha profissão. Nessas situações minha resposta é sempre hesitante. Penso em dizer que sou professora, mas não sou (mais). Penso em dizer que sou escritora, mas não digo. Penso em dizer que sou dona de casa, e sinto-me constrangida.
Às vezes, digo que sou tradutora e percebo o rosto de quem faz a pergunta mudar de curioso para incrédulo. Às vezes, digo que sou escritora e espero a famigerada pergunta sobre meu livro. Em qualquer um dos casos sinto que estou levantando a plaquinha “sou um fracasso”.
A pergunta sobre o que faço é, com frequência, formulada como “o que você é?”, e nesta, sou ainda mais hesitante.
Na verdade, para responder a esta pergunta sou desviante. Fujo como uma noiva que é obrigada a cumprir o ritual no altar contra sua vontade. Desvio da (possível) enxurrada que virá depois da minha resposta, como Neo desvia das balas de revólver mas, ao contrário dele, perco o equilíbrio e me esborracho no chão.
Forço-me a lembrar que o que fazemos não define quem somos, isso é bobagem capitalista. Assim como essa busca insana por tentar se definir o tempo inteiro. Então desvio e sorrio. Mas o constrangimento está lá, estampado, na plaquinha levantada para a plateia, com a única resposta possível até agora: “sou um fracasso”.