Soleira

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Alerta de gatilho: violência contra mulher; discussão

Ele me esperava encostado na soleira da minha porta. A mochila jogada no chão, perto do pé. Ele usava tênis preto, jeans e camisa de alguma banda de rock. desconhecida por mim. O cabelo preso num coque, uma das mãos dentro do bolso da calça, a outra no celular. Quando saí do elevador ele me sorriu. Eu não o esperava. Abaixou-se, abriu a mochila e tirou um embrulho prateado. Estendeu-o a mim. Agradeci, mas recusei o presente. Ele franziu a testa, fechou o sorriso, mudou o tom. A voz de poucos segundos antes suave e alegre, agora demonstrava irritação. Uma mudança de humor com a qual convivi por muito tempo. As ligações e mensagens dele que ignorei nos últimos dias não o fizeram entender? Impaciente, me mandou abrir a porta. Recuei para perto do elevador. Sua voz ficou mais grave, mais feroz. Até sua altura parecia ter aumentado. De dentro do apartamento ao lado, Dona Lurdes perguntou se estava tudo bem. Ele falou, contrariado, que sim. Éramos apenas dois namorados em discordância. Falei, enfática, que era ex, e não era mais bem-vindo na minha casa. Ele avançou um passo em minha direção. Dona Lurdes gritou que ia chamar a polícia se ele não fosse embora. A ameaça de uma senhorinha escondida atrás da porta parece ter tido efeito. Ele descontou na própria mochila sua raiva. Agradeci a dona Lurdes pela interferência. Entrei em casa, olhei com tristeza para as caixas espalhadas. O caminhão de mudança chega amanhã de manhã.


Toranja, uma newsletter com exercícios criativos, trouxe um desafio de escrita para o mês de outubro e eu resolvi me arriscar. Uma palavra para cada dia e um texto de até 250 palavras. Estou compartilhando todos os dias no Instagram do Atrás da porta (e em outras redes minhas) e é claro que o blog não poderia ficar de fora.

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