Lembrei-me, mais cedo, de uma antiga vizinha. Ela deve estar com mais de noventa anos. Era baixinha, cabelos curtos, pele branca e flácida, algumas rugas, pelo que me lembro. Era boleira. Excelente, por sinal! Foi ela quem fez o bolo do meu aniversário de quinze anos. Ele tinha dois andares. Achei aquilo o máximo! Quando minha mãe ia na casa dela entregar algumas costuras, ou pegar outra peça dela para consertar, a gente ficava conversando na cozinha bebendo café – eu no suco – e comendo raspas de bolo.
Eu adorava brincar no quintal dela. Dava pra ver boa parte do bairro lá de cima. A casa tinha um cheiro bom, não era doce, e parecia estar sempre quente. Às vezes o marido dela, um senhor muito simpático, me chamava para ver televisão com ele na sala. Conversávamos um bocado. Ele perguntava sobre as coisas da escola e me falava do que ele já tinha lido na vida, das coisas que já tinha visto. Ele sempre me falava dos livros que lia e perguntava o que eu estava lendo, e eu falava. Ele já morreu faz tempo, foi um silêncio no bairro. Ela não ficou muito tempo na mesma casa depois disso. O filho a levou para um asilo.