Longe

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Minha memória foi longe ontem. Voltei a visitar o bairro onde cresci. Está tão diferente hoje em dia. Foi lá, num mercado do bairro, que me perdi da minha mãe pela primeira vez. Lembrei das casas dos meus amigos, dos meus tios. Mais especificamente das varandas e dos azulejos nas paredes. Quase todas as casas que tinham varanda no bairro com aquele piso vermelho, pequenos hexágonos formando um grande retângulo, e pilastras nas beiradas onde nos sentávamos para papear, olhar a rua, ouvir música, pegar sol. Eu não era da turma que tocava violão, não, mas sempre tinha alguém que se arriscava.


Sinto falta daquelas varandas, dos pisos, das cores. Tudo mudou por lá. É que estou longe há tempos. As escolas onde estudei, as papelarias onde parava depois da escola pra comprar cartolina para fazer os trabalhos em grupo, para ver se tinha chegado uma caneta colorida diferente.

Uma vez encontrei o dono de uma dessas papelarias, filho da dona, na verdade. Era papelaria e armarinho, onde minha mãe comprava aviamentos, linhas, essas coisas. Encontrei ele num bloco de carnaval no Rio. Fui lá. e falei com ele. Ficou animado e falou que se lembrava de mim.

Ele era gay. Todo mundo comentava isso, mas sem falar explicitamente. Cresci ouvindo coisas que não eram ditas. Os adultos não falavam para que as crianças não ouvissem e espalhassem por aí. As crianças não falavam em “respeito” aos adultos. Respeito que, na verdade, era medo de levar uma lambada de galho de goiabeira na coxa.

Quando encontro com minha mãe, ela sempre me conta que Fulaninho fez isso e aquilo, que Sicrano não mudou nada, que a filha da prima da antiga vizinha lá de perto do salão morreu. Não me lembro de quase ninguém. Quase não reconheço as pessoas ou os lugares e, quando volto, vejo que tudo está lá longe na minha memória.

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