O grito ficou preso na garganta. Os dias ficaram curtos demais para tudo o que era necessário fazer. Além do necessário, existe o desejo. No dia-a-dia não havia espaço para o prazer. Recebeu um conselho da mãe: reclamar não resolve!
– Como não?, pensou.
É preciso verbalizar as insatisfações para mudar. O grito ainda estava preso. Entalado. As lágrimas ameaçaram cair. Frearam no meio do caminho. Na outra ponta do sofá, o fantasma de sua mãe insistiu: reclamar não resolve!
Aquele era o momento da noite em que a rua estava movimentada, com gente que chega e vai embora, que leva o cachorro para passear e fazer as necessidades na rua. Ela saiu. Queria reclamar, até do fantasma da mãe. Falaria suas insatisfações para si mesma, afinal, ninguém quer escutar. Todos estão apressados para chegar a casa e tomar banho, ou correndo para pegar o ônibus, ou recolhendo a merda de seus bichinhos na calçada.
Caminhou até ficar cansada, até os cachorros retornarem para os apartamentos, até os ônibus passarem vazios, até o silêncio lhe permitir ouvir os próprios passos.
O grito não estava mais preso, dissolveu-se em suor.