Todas as manhãs

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Foto de Julian Hochgesang em Unsplash

A luminosidade do quarto indicava que o dia estava surgindo. O relógio na cabeceira, que apitava diariamente às 7h20 da manhã, fazia sua dança de palitos vermelhos a cada mudança dos minutos. A cortina balançava com o vento que entrava pela janela. O barulho constante do movimento da cortina deixando o vento e a luz entrarem fazia com que o despertador fosse desnecessário àquela hora.

5h07

Um ser minúsculo escala um corpo maior como se fosse uma montanha até encontrar o seio, entrar-lhe por baixo da camisa e sugar o leite. A mulher desperta por um instante e se mexe para o lado procurando uma posição melhor para mãe e filha. Fecha os olhos outra vez. Deitada, o corpo trabalha. Depois de saciada, rola para o outro lado.

6h49

A mulher respira fundo enquanto a pequena se senta na cama e tenta escalar novamente a montanha, que finge não estar percebendo a movimentação. Alcança o topo, levanta uma das aberturas da caverna e diz: — acorda, mamãe! A mulher se move lentamente com a pequena em seu colo. Antes da brincadeira começar é preciso trocar a fralda que ficou cada vez mais pesada durante a noite.

7h01

A mulher se move em direção à cozinha com a pequena no colo. Lentidão. Coloca a menina em uma cadeira rosa, prendendo-a com um cinto. Shhhhh! Prepara café com pão e banana. A pequena, que ainda não tem dentes suficientes para mastigar, ganha uma fruta que é sugada até se extinguir.

7h20

O apito do despertador chega até a cozinha. Rodrigo se levanta e vai direto para o banheiro. Depois de limpo e arrumado vai para a cozinha. Um beijo na testa da mulher e da menina. Está com pressa. Pega uma caneca com café e senta diante da pequena que balança seus minúsculos pés na cadeira rosa. Sorriem um para o outro. Diz para a mulher não demorar no banho porque ele precisa sair logo e não quer chegar atrasado no primeiro dia depois da promoção.

7h53

Rodrigo sai. A mulher e a menina sentam no tapete emborrachado do quarto, brinquedos espalhados, barulhentos e coloridos. A menina sacode um, aperta os botões de outro. A mulher olha o celular.

8h36

A pequena chora. A mulher, agora com movimentos mais ligeiros, tenta acalmar o choro. Dança. Canta. Balança. Beija. Chacoalha um brinquedo. A pequena puxa a blusa da montanha, que senta no tapete emborrachado e lhe oferece o seio. Depois o outro.

9h15

A menina dorme. A mulher a leva para o berço. Não acorda (ufa!). Roupa para lavar, estender, guardar (algumas até passar), cozinhar, lavar o banheiro, dia de colocar o lixo para fora, ir ao mercado.

10h40

A menina acorda. A máquina de lavar está no enxágue. A panela com feijão ainda não começou a chiar. O arroz ainda não secou. O lixo está amontoado em um canto do quintal. A mulher boceja.

11h37

Um plástico estendido no chão, debaixo da cadeira rosa. Diante da menina há um prato colorido com bolinhas de arroz e feijão. Ela os cheira, amassa, joga na parede, joga na mulher, come, chora. A menina quer colo, quer o peito. A mulher quer dormir.

Os tapetes emborrachados são a nova tendência de decoração para alguns ambientes. Quadrados grandes e coloridos que se encaixam como um quebra-cabeça. O sol da tarde faz desbotar tapetes e brinquedos. Está forte. A máquina de lavar terminou o ciclo de lavagem, e agora a casa está em silêncio.


O texto acima foi publicado na newsletter atrás da porta #30 em 18 de fevereiro de 2022

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