“E assim, ela também se foi…” suspirou olhando nos meus olhos como se tentasse descobrir se eu queria falar sobre isso. Tio Gino era um homem que tinha visto a guerra e a fome, a única coisa que ainda podia surpreendê-lo era a morte, apesar de tudo.
“Sabe Carmé, eu não esperava por essa desgraça. Ela era muito jovem. Sofria de alguma doença que você não me contou?”
Olhei para ele e não respondi. Eu não queria falar sobre isso, ainda era cedo. O pensamento sobre minha falecida irmã ainda me causava falta de ar e um aperto que agarrava meu estômago e minha cabeça.
“Há pessoas destinadas a não ultrapassar os cinquenta anos…” murmurou tia Minuccia que, depois de arrastar a perna dolorida em frente à lareira, tentou reacender o fogo que agora estava acabando com um ventilador.
“O Senhor decide e ninguém pode contradizê-lo…” acrescentou, lutando para voltar para sua cadeira de couro marrom desgastada.
Ouvi pensando que talvez o Senhor às vezes se equivoque e arrebate da vida pessoas que merecem estar ali, porque ainda têm tantas coisas para fazer e ver. Gianna nunca havia viajado em um avião e não sabia que fora daquela ilha poderia haver outra coisa além da água. Ela ainda não tinha visto o rosto do homem de sua vida e nunca tinha provado a culinária mexicana. Não sabia como a neve pode ser bonita quando cai no rosto, não sabia as cores que o céu assume ao amanhecer de um dia de verão.
“Há almas brancas que nem veem esta terra, pelo menos sua irmã poderia gostar de ter estado lá”, continuou tia Minuccia enquanto pegava suas agulhas de tricô, estava procurando a ponta certa do fio para recomeçar uma linha reta e um reverso daquele suéter que ninguém jamais usaria.
Eu ficaria longe de tudo que me fizesse chorar. Eu teria mudado de casa, de cidade.
Precisava ver coisas novas, pessoas diferentes que não iriam me perguntar ou falar sobre Gianna.
E eu, pela primeira vez, a teria esquecido.
Era isso que eu pensava.
Porque para aliviar a dor achei que bastaria não falar mais de você, não pensar em você, não olhar suas fotos, cerrar os punhos e os olhos com força, como minha mãe costumava dizer quando tinham que nos dar as injeções, para não sofrer.
Trecho do capítulo 1 de Gianna: Ela, minha irmã, de Carmen Salis. Tradução de Elaine Pinto Silva.